“Não existe nada que seja normal ou patológico em si.
A anomalia e a mutação não são em si mesmas patológicas, elas exprimem outros
modos de vida possíveis. A normalidade e a normatividade por
sua estabilidade e não variabilidade , estas sim, são formas inferiores da vida
e configuram por sua vez , o patológico. Não por ausência de normas mas
justamente por seu excesso e pela normatividade que repulsam a diferença e
repelem a força da vida.”
G. Canguilhem ; In O Normal e o Patológico
Quem é
transexual?
Em principio
o transexual é uma pessoa marcada por diversas opressões referidas a sua
expressão de gênero, seja em um ou vários sentidos: dos gostos, da forma, da
conduta, do comportamento, de gestos e vozes, dos sentimentos e dos modos de
pensar. As opressões vêm dos limites impostos por regras estéticas de expressão:
você deve andar assim, caminhar assim, portar-se assim, vestir-se assado, regular
o seu tom de voz.
“Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.
...
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra
esconder.
...
Eu sei que no fundo o problema é só da
gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.
...
E quando escutar um samba-canção.
Assim como: ‘Eu preciso aprender a ser só’.
Reagir e ouvir o coração responder:
‘Eu preciso aprender a só ser.’
Gilberto Gil - Eu preciso aprender a só
ser
Existe todo um padrão técnico, estético
enquanto produção de natureza morta, fixa, uniforme e mecânica, repetitiva e
funcional. O corpo controlado por órgãos, gônadas sexuais que produzem
hormônios responsáveis por determinar toda a expressão subjetiva, como o gosto
por cores, brinquedos, roupas, atividades físicas, etc. É um corpo que apenas
conhece a técnica enquanto norma. Daí a opressão as pessoas transexuais,
simplesmente porque não se encaixam de modo convincente, sob essas regras
normativas. Elas se expressam sempre indevidamente: põe as mãos nos lugares
errados, têm os tons da voz também errados, ou andam e sentam como não
deveriam, parecem inadequadas a expressão corporal referida às técnicas
próprias de suas gônadas, que passam a se tornar, de fato em muitos casos, um
desconforto.
Claro que a retirada das gônadas
sexuais implica em esterilização, mas há que se considerarem vários fatores: a
pessoa quer se reproduzir? Tem idade pra isso? Existe um local onde pode
guardar seus gametas? Tudo isso deve ser pensado sob o ponto de vista da
bioética e principalmente sob a ótica do direito a personalidade e a capacidade
de autodeterminação. Ocorre, entretanto que tal ponto de vista é totalmente
divergente de uma biologia mecanicista, pois pensar a autodeterminação é jogar
fora a autoridade dos órgãos. É preciso, para entender a autodeterminação,
pensar um corpo devir, de caráter maquínico, em relação simbólica com o mundo,
em processo de transformação continua até atingir sua finalidade, neste caso,
de expressão técnica. Técnica cultural de expressão de gênero.
(Juntando) Os quatro princípios da bioética:
A bioética
possui o conceito de que a vida moral se fundamenta, principalmente, em quatro princípios
básicos incontestáveis, considerados obrigatórios, desde que não estejam em
conflito com obrigações maiores, que são: beneficência, a não maleficência,
respeito à autonomia e a justiça. A saber, estes princípios seriam o ponto de
partida para orientar quaisquer discussões referidas a vida, e devem ser o
melhor e mais possível respeitadas em cada caso.
(Com)
O transumano:
É o humano
da técnica. É o humano que existe dentro de uma cultura biotecnológica. Que
exerce sobre a natureza não só formas de conhecimentos e controles, porém
atividades criativas e transformadoras, capazes de gerar novos seres e
realidades planetárias conectadas.
(E
o que a norma entende como) A transexualidade.
É considerada
patológica por pleitear utilizar técnicas cirúrgicas, principalmente de redesignação sexual, para o corpo, a
partir da justificativa do sofrimento psíquico.
O caráter
patológico está vinculado ao caráter da técnica cirúrgica, muito mais do que a qualquer
produto fármaco-químico. Principalmente porque mudanças referidas ao modo de
ver o sexo são muito mais lentas do que as mudanças atuais referidas as novas
tecnologias.
(É
que penso) Por uma bioética
transumana para a transexualidade.
É preciso
entender que realizar uma transformação corporal mediante uma técnica cirúrgica
é um exercício de personalidade, de autonomia, por isso mesmo auto-determinado
a partir de uma natureza comum as culturas biotecnológicas contemporâneas.
E realizar
uma transformação corporal transexual é, sob este ponto de vista, mais uma,
entre outras, explicitação de uma subjetividade transumana.