Todo mundo muda. A substância do tempo é o fluxo de um
processo.
As pessoas mudam, a natureza do planeta tem mudado rapidamente
e os coletivos sociais também.
E hoje, fisicamente, as pessoas mudam como querem ou como se
deixam levar. Para isso contamos com as biotecnologias.
Quero ficar no nível do pessoal. É difícil pra você
reconhecer um amigue que não vê faz algum tempo, quando se depara com ele na
rua ou numa festa, não importa onde, e descobre que ele está “outra pessoa”,
seja porque envelheceu, porque engordou ou emagreceu, porque mudou de gênero ou
sexo, porque mudou radicalmente de aparência por conta de alguma cirurgia –
seja qual for sua especialidade, etc.
Tem gente que muda simplesmente porque envelheceu, mudança
considerada “natural” por esquecer que faz freqüentemente uso de técnicas de
alimentação, técnicas biomédicas profiláticas e médicas, etc. Vulgarmente se
supõe que em sua biografia, física (estética) e subjetiva, não ocorreram
mudanças que caracterizassem rupturas, num continuum
do processo “natural” de envelhecer e se tornar tecnicamente um idoso: cabelos
descoloridos e pele bem marcada, dores nos ossos, vista cansada, etc. Todo o
corpo muda e também o rosto. Destacam-se nesse processo fases: infância, adolescência,
adulta e anciã. Fases interligadas e sem ruptura biográfica, apesar de mudanças
físicas e subjetivas culturalmente bem demarcadas e exigidas no convívio social.
É verdade que nem todo mundo envelhece, tem gente que morre antes. E tem gente que sem ter morrido “nasce novamente” e muito diferente.
Uma doença crônica ou um acidente podem levar a uma ruptura biográfica.
Importante é observar também que tem os que engordaram e os
que emagreceram, a diferença no peso pode ocasionar uma grande mudança física
(estética) e subjetiva (por conta de mudanças sociais e psicológicas em virtude
da nova estética).
E pode ocorrer então
do mesmo se tornar outro.
As mudanças físicas, vocais e estéticas, podem permitir o
experimento de situações totalmente novas e principalmente inesperadas.
Diferentemente das mudanças da velhice, totalmente esperadas e, por este motivo,
previsíveis. Aqui, no exemplo sobre o peso corporal, como no caso do acidente e
da doença crônica, pode ocorrer uma
ruptura biográfica.
Dentre as mudanças bioquímicas
corporais, as que ocasionam em mudanças estéticas capazes de gerar
rupturas biográficas, cada vez mais comuns,
são as que produzem transições entre os gêneros sexuais. Tais trânsitos entre gêneros
são os que mais podem levar a experiências
novas, surpresas e imprevistos.
Você sabe que é a mesma pessoa, mas os outros podem achar
que não. Por outro lado de que pessoa se diz ser mesma? Pois é muito
desagradável ser tratado como a pessoa que você era, sabendo e se vendo agora
como uma nova pessoa.
Não é muito fácil isso, a pesar de ser simples: a mudança na
expressão do gênero sexual transforma o mesmo em outro. A pessoa realoca seu
lugar estético, seu fluxo de passagem audiovisual e sua situação cultural lhe
confere novas experiências próprias go gênero assumido. Mudou porque quis, por
autodeterminação, então eis a questão: essa nova estética não existe sem a
compreensão da novidade subjetiva. E em muitos casos é preciso se apresentar novamente. Tipo assim: meus colegas de
trabalho, meus amigues, meus pais, meus irmãos o meu nome é fulano de tal, eu
te conheço a essa data, vivemos isso juntos ou não vivemos nada. Você reconhece
os afetos que temos entre nós ou só fomos formais em nossos encontros? Você
reconhece que minha atual pele está mais em harmonia com meu tom, ou você não
consegue desvincular minha imagem das obrigações sociais de suas crenças
biológicas ou religiosas?
E é possível também partir, ir viver em outro lugar, entre
outras pessoas e se apresentar pela
primeira vez. Ruptura biográfica muito mais drástica, que pode deixar a
própria história muito distante.
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