sexta-feira, 20 de maio de 2016

O que é uma ruptura biográfica?

Todo mundo muda. A substância do tempo é o fluxo de um processo.
As pessoas mudam, a natureza do planeta tem mudado rapidamente e os coletivos sociais também.
E hoje, fisicamente, as pessoas mudam como querem ou como se deixam levar. Para isso contamos com as biotecnologias.
Quero ficar no nível do pessoal. É difícil pra você reconhecer um amigue que não vê faz algum tempo, quando se depara com ele na rua ou numa festa, não importa onde, e descobre que ele está “outra pessoa”, seja porque envelheceu, porque engordou ou emagreceu, porque mudou de gênero ou sexo, porque mudou radicalmente de aparência por conta de alguma cirurgia – seja qual for sua especialidade, etc.
Tem gente que muda simplesmente porque envelheceu, mudança considerada “natural” por esquecer que faz freqüentemente uso de técnicas de alimentação, técnicas biomédicas profiláticas e médicas, etc. Vulgarmente se supõe que em sua biografia, física (estética) e subjetiva, não ocorreram mudanças que caracterizassem rupturas, num continuum do processo “natural” de envelhecer e se tornar tecnicamente um idoso: cabelos descoloridos e pele bem marcada, dores nos ossos, vista cansada, etc. Todo o corpo muda e também o rosto. Destacam-se nesse processo fases: infância, adolescência, adulta e anciã. Fases interligadas e sem ruptura biográfica, apesar de mudanças físicas e subjetivas culturalmente bem demarcadas e exigidas no convívio social.
   
É verdade que nem todo mundo envelhece, tem gente que morre antes. E tem gente que sem ter morrido “nasce novamente” e muito diferente.

Uma doença crônica ou um acidente podem levar a uma ruptura biográfica.
Importante é observar também que tem os que engordaram e os que emagreceram, a diferença no peso pode ocasionar uma grande mudança física (estética) e subjetiva (por conta de mudanças sociais e psicológicas em virtude da nova estética).
E pode ocorrer então do mesmo se tornar outro.
As mudanças físicas, vocais e estéticas, podem permitir o experimento de situações totalmente novas e principalmente inesperadas. Diferentemente das mudanças da velhice, totalmente esperadas e, por este motivo, previsíveis. Aqui, no exemplo sobre o peso corporal, como no caso do acidente e da doença crônica, pode ocorrer uma ruptura biográfica.
  
 A mudança estética evidencia que a ruptura biográfica é um fenômeno de superfície relacionado a determinações subjetivas importantes, quem vê de fora e sobre a pele diz: não parece a mesma pessoa, não pode ser aquela pessoa que eu conheci, ela perdeu aquele (...) ou ganhou um novo (...). E isso porque foi uma determinação subjetiva que ocasionou uma mudança de superfície que teve origem numa decisão ou numa doença, porque quase sempre fica um “como é pode” alguém mudar tanto, espantando o desavisado.
Dentre as mudanças bioquímicas corporais, as que ocasionam em mudanças estéticas capazes de gerar rupturas biográficas, cada vez mais comuns, são as que produzem transições entre os gêneros sexuais. Tais trânsitos entre gêneros são os que mais podem levar a experiências novas, surpresas e imprevistos.
                                                       
Você sabe que é a mesma pessoa, mas os outros podem achar que não. Por outro lado de que pessoa se diz ser mesma? Pois é muito desagradável ser tratado como a pessoa que você era, sabendo e se vendo agora como uma nova pessoa.
Não é muito fácil isso, a pesar de ser simples: a mudança na expressão do gênero sexual transforma o mesmo em outro. A pessoa realoca seu lugar estético, seu fluxo de passagem audiovisual e sua situação cultural lhe confere novas experiências próprias go gênero assumido. Mudou porque quis, por autodeterminação, então eis a questão: essa nova estética não existe sem a compreensão da novidade subjetiva. E em muitos casos é preciso se apresentar novamente. Tipo assim: meus colegas de trabalho, meus amigues, meus pais, meus irmãos o meu nome é fulano de tal, eu te conheço a essa data, vivemos isso juntos ou não vivemos nada. Você reconhece os afetos que temos entre nós ou só fomos formais em nossos encontros? Você reconhece que minha atual pele está mais em harmonia com meu tom, ou você não consegue desvincular minha imagem das obrigações sociais de suas crenças biológicas ou religiosas?

E é possível também partir, ir viver em outro lugar, entre outras pessoas e se apresentar pela primeira vez. Ruptura biográfica muito mais drástica, que pode deixar a própria história muito distante.

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