segunda-feira, 2 de maio de 2016

Por uma bioética transumana para a transexualidade.


“Não existe nada que seja normal ou patológico em si. A anomalia e a mutação não são em si mesmas patológicas, elas exprimem outros modos de vida possíveis. A normalidade e a normatividade por sua estabilidade e não variabilidade , estas sim, são formas inferiores da vida e configuram por sua vez , o patológico. Não por ausência de normas mas justamente por seu excesso e pela normatividade que repulsam a diferença e repelem a força da vida.”
G. Canguilhem ; In O Normal e o Patológico
Quem é transexual?
Em principio o transexual é uma pessoa marcada por diversas opressões referidas a sua expressão de gênero, seja em um ou vários sentidos: dos gostos, da forma, da conduta, do comportamento, de gestos e vozes, dos sentimentos e dos modos de pensar. As opressões vêm dos limites impostos por regras estéticas de expressão: você deve andar assim, caminhar assim, portar-se assim, vestir-se assado, regular o seu tom de voz.
“Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.
...
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.
...
Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.
...
E quando escutar um samba-canção.
Assim como: ‘Eu preciso aprender a ser só’.
Reagir e ouvir o coração responder:
‘Eu preciso aprender a só ser.’
Gilberto Gil - Eu preciso aprender a só ser

Existe todo um padrão técnico, estético enquanto produção de natureza morta, fixa, uniforme e mecânica, repetitiva e funcional. O corpo controlado por órgãos, gônadas sexuais que produzem hormônios responsáveis por determinar toda a expressão subjetiva, como o gosto por cores, brinquedos, roupas, atividades físicas, etc. É um corpo que apenas conhece a técnica enquanto norma. Daí a opressão as pessoas transexuais, simplesmente porque não se encaixam de modo convincente, sob essas regras normativas. Elas se expressam sempre indevidamente: põe as mãos nos lugares errados, têm os tons da voz também errados, ou andam e sentam como não deveriam, parecem inadequadas a expressão corporal referida às técnicas próprias de suas gônadas, que passam a se tornar, de fato em muitos casos, um desconforto.

Claro que a retirada das gônadas sexuais implica em esterilização, mas há que se considerarem vários fatores: a pessoa quer se reproduzir? Tem idade pra isso? Existe um local onde pode guardar seus gametas? Tudo isso deve ser pensado sob o ponto de vista da bioética e principalmente sob a ótica do direito a personalidade e a capacidade de autodeterminação. Ocorre, entretanto que tal ponto de vista é totalmente divergente de uma biologia mecanicista, pois pensar a autodeterminação é jogar fora a autoridade dos órgãos. É preciso, para entender a autodeterminação, pensar um corpo devir, de caráter maquínico, em relação simbólica com o mundo, em processo de transformação continua até atingir sua finalidade, neste caso, de expressão técnica. Técnica cultural de expressão de gênero.

 (Juntando) Os quatro princípios da bioética:
A bioética possui o conceito de que a vida moral se fundamenta, principalmente, em quatro princípios básicos incontestáveis, considerados obrigatórios, desde que não estejam em conflito com obrigações maiores, que são: beneficência, a não maleficência, respeito à autonomia e a justiça. A saber, estes princípios seriam o ponto de partida para orientar quaisquer discussões referidas a vida, e devem ser o melhor e mais possível respeitadas em cada caso.

(Com) O transumano:
É o humano da técnica. É o humano que existe dentro de uma cultura biotecnológica. Que exerce sobre a natureza não só formas de conhecimentos e controles, porém atividades criativas e transformadoras, capazes de gerar novos seres e realidades planetárias conectadas.

(E o que a norma entende como) A transexualidade.
É considerada patológica por pleitear utilizar técnicas cirúrgicas, principalmente de redesignação sexual, para o corpo, a partir da justificativa do sofrimento psíquico.
O caráter patológico está vinculado ao caráter da técnica cirúrgica, muito mais do que a qualquer produto fármaco-químico. Principalmente porque mudanças referidas ao modo de ver o sexo são muito mais lentas do que as mudanças atuais referidas as novas tecnologias.

(É que penso) Por uma bioética transumana para a transexualidade.
É preciso entender que realizar uma transformação corporal mediante uma técnica cirúrgica é um exercício de personalidade, de autonomia, por isso mesmo auto-determinado a partir de uma natureza comum as culturas biotecnológicas contemporâneas.

E realizar uma transformação corporal transexual é, sob este ponto de vista, mais uma, entre outras, explicitação de uma subjetividade transumana. 

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